CRIANÇAS ADULTAS
Jeremias Macário 
 Essa nossa sociedade consumista e competitiva está transformando nossas crianças em adultas. Com a redução dos espaços para brincadeiras e a falta de convívio humano com outras crianças, o que resta da nossa infância? As emissoras de televisão, com seus programas “modernizantes”, incentivam a erotização dos corpos e ensinam, nas novelas, a namorar com menos de  dez anos de idade.
   As instituições e as leis de proteção são hipócritas. Se de um lado passa a impressão de que são defensoras e punitivas das ações que expõem as crianças, de outro fazem vistas grossas para situações que ferem os princípios básicos da idade, sem nenhum pudor.
   Como tudo virou moda, crianças são estimuladas a se rebolar em público ao som sensual das músicas tecnobregas, que só têm letras de duplo sentido. A maioria dos pais e responsáveis aplaude e admira a atitude, achando tudo normal e liberal.
Quem não concorda com esse pensamento hegemônico de avanços, sem limites, é logo taxado de moralista, reacionário e antiquado. Por sua vez, o mercado capitalista, que só visa o lucro, aproveita para explorar a sua fatia.

 Como as meninas, desde os três anos de idade, começam a imitar as vaidades das mães adultas, a indústria já produz cosméticos, medicamentos e outros produtos só para crianças, não importando se são prejudiciais à saúde. O que está havendo é a supressão cotidiana da fase da vida.
   Nessa sociedade, que coloca a competitividade acima de qualquer coisa, logo cedo os pais preenchem a jornada de seus filhos com compromissos extasiantes, para que eles sejam bem sucedidos no sistema. Como trabalham como condenados para juntar mais e mais dinheiro, muitos fazem isso para se livrar de suas crianças, entupindo-as de responsabilidades antes do tempo.
   O que vemos hoje, de uma forma geral, é uma geração de crianças adultas que tiveram que pular a fase da infância, como se fosse uma ordem normal imposta pela modernização mercadológica.
Cria-se uma imagem liberalizante ideal, fora do tempo. Os valores se invertem, e tudo isso termina refletindo em comportamentos transgressores e violentos. Pior é que sem o discernimento preciso do certo e do errado, a infância termina imitando os maus exemplos dos adultos.
  Como já estou no roteiro, permitam-me citar aqui o caso da banda New Hit, de Salvador, acusada de estupro de duas meninas menores na cidade de Ruy Barbosa. Mesmo com exames médicos e provas periciais, os membros se dizem inocentes. Então que as estuprou? Foi tudo mentira?
  A hipocrisia é tamanha que muitos fãs se apresentaram para defender a banda. Com pouco mais de um mês, a justiça concedeu habeas corpus e “os músicos” ganharam alvará de soltura. Fosse um pobre coitado, seria linchado, chamado de monstro, ou iria mofar o resto da vida na cadeia, se antes não fosse morto lá dentro.
   É a incoerência escancarada da nossa podre sociedade, que anda alardeando por aí que a lei é igual para todos. Muitos papagaios repetem isso. As brechas nas leis foram feitas só para os ricos e poderosos. Enquanto a banda foi solta, as meninas foram presas para não serem mortas. Suas famílias continuam com suas vidas ameaçadas.
  Em pouco tempo, todo mundo esquece o acontecido, inclusive a mídia, que até colabora para o sucesso dos seus shows de baixo nível, sem conteúdo e de péssimo gosto. Ninguém fala mais nos jovens que atearam fogo no índio Galdino, lá em Brasília. Dizem que foram incorporados ao grupo dos marajás da capital.